Além dos problemas políticos, religiosos e físicos, o aborto também pode afetar seriamente a saúde psíquica das mulheres. Em pesquisa da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP) da USP com 120 mulheres que passaram por aborto, mais da metade apresentaram algum nível de depressão e a maioria sofria de baixa a média estima pessoal.
“Esses resultados indicam que as equipes de saúde precisam buscar cada vez mais políticas públicas para prevenção da gravidez indesejada, levando em consideração as dificuldades ao uso de métodos contraceptivos com visão integral à mulher, ou seja, considerando todo seu contexto”, diz a enfermeira Mariana Gondim Mariutti Zeferino, autora do estudo.
Ela cita como exemplo a violência familiar, o uso de álcool e drogas, a resistência do parceiro ao uso de métodos contraceptivos de barreira, principalmente quando a mulher tem efeitos colaterais ou contra-indicações aos anticoncepcionais hormonais e submissão ao parceiro. “E quando a gravidez indesejada acontece, tendo como consequência o aborto induzido, que a equipe possa oferecer assistência qualificada e humanizada e que estimule os profissionais de enfermagem a reconhecer as necessidades de implementar os cuidados e reforçar aspectos resilientes dessas mulheres”, alerta a pesquisadora.
O estudo foi realizado entre agosto de 2008 e setembro de 2009, com mulheres internadas em um hospital público do interior do Estado de São Paulo, com diagnóstico de abortamento. Mariana detectou que 57% delas apresentavam sinais indicativos de depressão, sendo que em 33% distimia, ou seja, leve e prolongada, 22% moderada, e em 13% a depressão é grave. Além de depressão, 109 das mulheres apresentaram de média a baixa estima pessoal.
Outros dados
Segundo a enfermeira, estudos anteriores já mostraram que a situação de abortamento pode ter relação com depressão antes e após a ocorrência, mesmo a longo prazo, com diferenças de acordo com a natureza do aborto. Outros dois dados da pesquisa chamaram a atenção da pesquisadora, o fato desses abortos terem sido provocados em 25% dos casos e ainda de 75% dessas mulheres não ter planejado a gravidez, mas mesmo assim não faziam uso de métodos contraceptivos.
A maioria das mulheres do estudo é jovem, solteira e com relacionamento estável, católica, com poucas atividades de lazer, sem fonte de renda própria, sem casa própria, com residência fixa há mais de um ano, não tem problemas de relacionamento e de violência na gravidez. Entretanto, as que tiveram problemas, relataram uso de álcool e drogas na família. Os dados revelaram, ainda, associação entre violência familiar e aborto provocado.
Entre as que apresentaram sinais de depressão, a maioria declarou-se solteira, trabalham, com mais de 40 anos de idade e tem religião. Mariana diz que o fato de muitas dessas mulheres terem parceiro, trabalho, religião, situação financeira estável e apoio familiar, mostrou-se como um fator de proteção significativo em relação à depressão. “Em relação aos indicativos de resiliência, ou seja, a habilidade de persistir nos momentos difíceis mantendo a esperança e a saúde mental, o estudo mostrou que quando essas mulheres estão felizes ajudam as pessoas, contam mais piadas e sentem-se bem. Mas, muitas delas relataram que quando sentem raiva, se isolam, se calam, choram e até gritam.”
A pesquisa é resultado do doutorado de Mariana, Associações do abortamento com depressão, autoestima e resiliência, orientada pela professora Antonia Regina Ferreira Furegato, da EERP.
Por Rosemeire Soares Talamone, do Serviço de Comunicação Social da Coordenadoria do Campus de Ribeirão Preto - Agência USP de Notícias
Link de acesso: http://www.usp.br/agen/?p=42587
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