Um artigo publicado na última semana de Fevereiro pelo
Journal of Medical Ethics
defende que deveria ser permitido matar um recém-nascido nos casos em
que a legislação também permite o aborto. A polémica segue em crescendo.
A autora do texto já recebeu ameaças de morte.
A sua polémica tese é a de
que o “
aborto pós-nascimento” (matar um recém-nascido”) deve ser
permitido em todos aqueles casos em que o aborto também é, incluindo nas
situações em que o recém-nascido não é portador de deficiência”.
Esta
ideia – entendida pelos leitores mais críticos do artigo como um apelo à
legalização do infanticídio – é a conclusão de um debate moral que a
autora, em conjunto com outro investigador que co-assina o artigo –
Alberto Giubilini –, tentam fazer partindo de três princípios: 1) “
o
feto e um recém-nascido não têm o mesmo estatuto moral das pessoas”; 2)
“
é moralmente irrelevante o facto de feto e recém-nascido serem pessoas
em potência”; 3) “
a adopção nem sempre é no melhor interesse das
pessoas”.
Os autores sustentam, assim, que
matar um bebé nos
primeiros dias não é muito diferente de fazer um aborto, concluindo (ao
contrário dos movimentos pró-vida) que desse modo seria moralmente
legítimo ou deveria ser aceite que se matasse um recém-nascido, mesmo
que este seja saudável,
desde que a mãe declare que não pode tomar conta
dele.
Face à polémica que se gerou em torno desta leitura, o
editor do jornal veio a público defender a publicação do texto, com o
argumento de que a função do jornal é a de apresentar argumentos bem
sustentados e não a de promover uma ou outra corrente de opinião. Porém,
outros cientistas e pares de Francesca Minerva qualificam a tese do
artigo como a “defesa desumana da destruição de crianças”.
“
Como editor, quero defender a publicação deste artigo”, afirma Julian Savulescu,
num texto que pode ser consultado online.
“
Os argumentos apresentados não são, na maioria, novos e têm sido
repetidamente apresentados pela literatura científica por alguns dos
mais eminentes filósofos e peritos em bioética do mundo, incluindo Peter
Singer, Michael Tooley e John Harris, em defesa do infanticídio, que
estes autores denominam como aborto pós-nascimento”, escreve Savulesco.
As
reacções viscerais ao artigo incluem ameaças de morte endereçadas à
autora, que admitiu que os dias seguintes à publicação e divulgação do
artigo foram “
os piores” da sua vida. Entre as mensagens que lhe foram
enviadas, há quem lhe deseja que “arda no inferno”.
“
O que é mais
perturbador não são os argumentos deste artigo, nem a sua publicação
num jornal sobre ética. O que perturba é a resposta hostil, abusiva e
ameaçadora que desencadeou. Mais do que nunca a discussão académica e a
liberdade de debate estão sob ameaça de fanáticos que se opõem aos
valores de uma sociedade livre”, sublinha o editor.
O artigo
afirma que, tal como uma criança por nascer, um recém-nascido ainda não
desenvolveu esperanças, objectivos e sonhos e, por essa razão,
apesar de
constituir um ser humano, não é ainda uma pessoa – ou alguém com o
direito moral à vida. Pelo contrário, os pais, os irmãos e a sociedade
têm metas e planos que podem ser condicionados pela chegada de uma
criança e os seus interesses devem vir primeiro.
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Por acaso, o mais perturbador é mesmo a proposta de legalizar a matança de bebés para casos em que "a mãe não pode tomar conta dele".