terça-feira, 21 de junho de 2011

«Por que será que os abortistas falam de tudo, menos do aborto?»

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O problema é este: não se consegue discutir a questão do aborto. Os abortistas recusam-se mesmo a pronunciar-lhe o nome.

O abortamento voluntário consiste na voluntária expulsão de um feto do seio da mulher. Pois eles insistem em falar de uma “interrupção da gravidez”. Mas uma interrupção significa paragem. E a gravidez não pára. Ou continua, ou acaba. O verbo interromper não se aplica à vida, a nenhuma vida. Por isso o assunto se torna indiscutível: se eu falo de uma coisa e tu de outra (ou melhor: e tu de coisa nenhuma), como havemos de discutir?

Eu digo: “O feto é um ser humano.” E tu: “Não é.” – “Então o que é?” – “Não sei.” Como podemos discutir, se não nos entendemos sobre aquilo de que falamos? Ou então, respondes: “É um ser humano, mas não é pessoa.” – “Qual a diferença?” – “De direitos.” – “E quem lhos concede ou nega?” – “Somos nós.” Isto faz algum sentido? Só dá uma lenga-lenga: não é pessoa porque não tem direitos; não tem direitos porque não é pessoa… Ou talvez respondas: – “É parte da mulher.” – “Que parte? Um órgão, um tumor?…” Tu calas-te. E acaba de novo a conversa.

No entanto, a discussão continua, como se fosse realmente um debate sobre o aborto. Invocam-se os direitos da mulher, por exemplo. Mas isso é outra questão. A do aborto é primordialmente sobre o feto. Quem é abortado é ele; não a mulher. Ou então fala-se do aborto clandestino… Mas isso é a questão da clandestinidade; não a do aborto voluntário. Ou compara-se a nossa legislação com legislações estrangeiras… Mas isso é uma questão de direito comparado. A do aborto é a da legitimação da expulsão de um feto. Ou diz-se que é uma questão de consciência… Sem dúvida: uma gravíssima questão de consciência! E esperemos que todas as pessoas conscientes assim a considerem. Mas classificá-la não é responder-lhe. Sendo uma questão de consciência, a pergunta é esta: “Achas em consciência que é justo matar o feto?” Aí é que está o cerne do debate.

Nem fujas ainda mais, dizendo: -”É uma questão religiosa.” Porventura invoquei algum credo religioso? Não classifiques; responde.

- “Abaixo a hipocrisia!” dizes
De acordo. Mas qual? A de quem levanta claramente o problema, ou a de quem escapa a ele e o disfarça? –

“Viva a liberdade!” dizes ainda.
Viva! Começando pela liberdade de nascer… –

“A Igreja não dava sepultura religiosa aos fetos…” tentas.
A Igreja aceita o que a ciência diz. Mas já excomungava quem os matava, só pelo facto de serem considerados “semente” de pessoa humana. De qualquer modo, que discutimos? O aborto ou a hipocrisia, o aborto ou a liberdade, o aborto ou a Igreja?… Por que será que os abortistas falam de tudo, menos do aborto?

- “Porque não somos “abortistas”, como dizes! Ninguém quer o aborto! O aborto é um mal! O que queremos é o bem estar da mulher e a saúde dos que nascem!”
A saúde à custa da vida, e o bem estar à custa dos filhos? E chamas a isso um mal menor? Haverá algum mal maior do que a morte?

“Ah, mas a Igreja aceitava a pena de morte!…”
Certamente, dentro do princípio da legítima defesa, que aqui não se aplica e dizes bem: aceitava. Mas deixa lá a Igreja; cinge-te ao tema; não te desvies. Além disso, o princípio do “mal menor” não significa que alguma vez seja lícito praticar um mal, mas apenas tolerar algum mal em prática, para evitar outro maior. Querias dizer “mal necessário”? Haverá algum mal “necessário”? Que ética será essa, capaz de justificar o mal? Por que será que os abortistas não conseguem colocar-se nunca no ponto de vista do sacrificado?

“Porque a questão do aborto são todas essas questões!”
Talvez. Mas vê se não foges à principal… És capaz? Porque tudo o resto depende dela. Só argumentando que o feto não é um ser humano, ou que um ser humano inocente vale menos do que quem o concebeu, se pode debater o resto. Por isso, a partir da pergunta que se fez no referendo, não se discutirá o aborto voluntário. A pergunta correcta e inteligível seria: “A mulher tem direito a lançar fora o feto, conforme lhe apetecer, nas dez primeiras semanas de gravidez?”

Aliás, por que falam de despenalização, quando o que se pretende é uma legalização, a constituição de um direito de matar? A desconversa instalada é evidente. Os defensores da lei farão tudo para reduzir o debate a uma competição de “slogans”. Os defensores da vida poderão vencer, mas os abortistas desviarão sempre do seu cerne o tal debate popular.

Por que fogem da questão?

(Hugo de Azevedo - artigo publicado no Jornal de Notícias de 07-04-1998)

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